sexta-feira, 6 de maio de 2011

Quando eu ficar velho.

Sentado no banco do calçadão, de costas para o movimento das pessoas que passam a correr, andar, pedalar e conversar, eu penso na vida que tive. Por volta das cinco e meia da tarde, hora que o sol cansa, dá a última espreguiçada e se recolhe para o sono devido aos trabalhadores. Afinal, de todos ele é o mais responsável. Falta apenas quando a gripe causada pela chuva o apanha. Mas o sol da minha cidade falta pouco ao trabalho. O inferno deve ter uma brisa mais amena. Eu sempre achei engraçado o cuidado que as pessoas têm com o corpo e a saúde. O fim é sempre o mesmo. Mas eu adaptei o ditado a algo que se assemelha mais ao meu vocabulário chulo, “da merda à merda”.
Não conseguir escrever um texto com início, meio e fim deixa qualquer cidadão puto. Todo mundo morreu, tenho oitenta e cinco anos. Minha mulher era estéril, não tive filhos. Cachorro, gato, peixe chupa-pedra, ou qualquer desses substitutos não geram nenhum afeto em mim. Então eu prefiro ficar só. O pior é que fiz uma cirurgia uns anos atrás que prejudicou o funcionamento da minha bexiga, mijo a cada 30 minutos. Como podem imaginar, minha autonomia é uma piada. Não posso ver um filme inteiro no cinema. Já perdi uma cartela premiada no bingo. Tudo porque mijo tanto quanto um bebê.
Nem pense que acho ruim ser velho assim. Na verdade acho revigorante. Xingo sem parar no meio da rua. Coço o saco, arroto, peido e tusso sem piedade. “Pobrezinho, já está senil”. Todo merdinha que fura uma fila ouve um “filho da puta” em troca do lugar roubado. Volto para casa com a metralhadora de obscenidades tinindo. A pior parte é não ter para quem contar os desaforos que falei. Não poder contar como é ruim urinar a cada trinta minutos. Não poder contar a tristeza que é falar apenas essas porcarias. Não ter com quem compartilhar os últimos “vá para a puta que o pariu” da minha vida.

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