domingo, 10 de abril de 2011

O Ferrolho.

Parado de frente para a porta por duas horas. Fronte pressionando a madeira, a mão segurando a maçaneta. De olhos cerrados tenta tomar coragem para sair. Sair para vencer o medo. O problema é que não tem medo de algo específico. Não de ladrões, assassinos ou agressores. Não de almas, espíritos ou demônios. Sente o medo na concepção da existência.
Fruto da vida moderna, escondeu-se em casa. Não precisa sair para nada. Trabalha. Compra os suprimentos do mês pelo computador. Aprende uma nova língua. Tem amigos. Isolou-se por completo do contato humano direto. Morto e vivo pela modernidade. Desde os tempos do colégio achava que poderia muito bem viver só. Cumpriu seus planos quando teve uma ideia boa o suficiente para pagar suas contas sem ter que sair do computador. Escolheu o casulo. A hibernação social. Vive a utopia da caverna.
Só faz a barba quando começa a lhe esquentar o rosto. Corta os cabelos quando lhes incomodam a vista. Banha-se com muita regularidade porque não suporta o mal cheiro. Adquiriu manias. Alimenta as manias como a um bicho de estimação. Leu sobre sistemas elétricos e de encanamento para poder resolver os problemas habituais sozinho. Assim sua porta será aberta o minimo possível. Aceita os telefonemas com desgosto. Tenta falar o minimo possível. Já passou mais de um mês sem falar sequer letra que fosse.
Uma vez por ano, passa pelo constrangimento do cheiro da madeira, e do suor na maçaneta. Antes de finalmente conseguir abrir, precisa enxugar a mão esquerda na única calça jeans que tem. O primeiro passo é sempre o pior. O passo que lhe leva para o que acredita ser a real prisão. Desistiu de risos e conversas falsas. De olhares sem sentido e interesses esguios. De relações casuais sem profundidade. Pega um taxi com um gesto. Dá secamente as coordenadas. O taxi para em frente ao museu. Paga a corrida e desce sem desejar o falso boa tarde. Não dá a mínima se a tarde do taxista será boa ou não. Se o taxista morrer na próxima esquina não lhe fará a menor diferença.
Anda pelo corredor sem olhar para os lados. Chega ao banco que dá de frente ao “Philosopher in Meditation” de Rembrandt. Admira fixamente por trinta minutos. Se aproxima para ver o rosto abraçado pela luz mais de perto. Olha o ângulo da escada e vai embora. Volta para casa. Fecha a porta. Passa a chave. Tranca o ferrolho. E olha através do olho mágico. Ninguém o seguiu.

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