Três da tarde. Esse é o horário que ele espera o dia inteiro. Toma um banho. Põe sua melhor roupa. Escolhe meticulosamente a gravata. Confere a combinação sapatos, meia, terno, camisa e gravata. Arruma o resto de cabelo que lhe resta. Escova os dentes no banheiro em forma de caixa de sapatos do quarto e sala que vive. Poderia morar em um apartamento melhor, caso mudasse para o subúrbio, mas prefere ficar perto da sua esquina.
Desce os dois andares de escada. Dá uma última lustrada nos sapatos usando a barra da calça. Brilham como um espelho. “Assim está melhor”. Compra o periódico, uma carteira de cigarros baratos, devolve as moedas ao bolso lateral da calça cinza. Enxuga o pingo de suor que ameaça escorrer pela fronte. Senta no banco de madeira já não tão branco. Olha as pessoas passarem. Confere as horas no relógio que fora de seu pai. Faltam 5 minutos.
Ao ver a condução número 338 se aproximar sente o coração palpitar. Ela desce. Jovem. Mas não jovem demais. Tem na expressão uma certa experiência, não condizente com sua pouca idade. Carrega livros. Vem ouvindo música e flutuando enquanto meche a boca no que ele imagina ser a letra que ouve nos pequenos plugues incrustados em suas orelhas. Ele ri com o canto da boca, abaixa um pouco o jornal, e através de seus óculos escuros fora de moda, vê quem quer para si. Gosta apenas de vê-la passar. Aqueles poucos segundos, 135 para ser mais exato, dão sentido à sua vida. Ela entra em casa.
Levanta, dobra minunciosamente o jornal. O conforta na articulação entre o tronco e o braço. Põe a mão no bolso e anda em direção ao Boteco mais próximo. Faz um sinal utilizando dois dedos ao garçom. Ele agora já entende e serve a dose de cachaça pedida empiricamente pelo “senhor que veste e usa terno nos olhos”. Pega as moedas depositadas previamente no bolso do conjunto e acalma-as ao balcão. Volta ao velho apartamento. Continua sua escrita. Descreve sem parar a moça. Procura novos adjetivos em uma velha gramática, também herança de seu pai. O último usado foi “cintilante”. Bebe mais, até o ponto que a embriaguez fecha seus olhos.
Repete o ritual gravata, cigarro e jornal. Olha para o relógio. Ela está atrasada. Espera por uma hora. Ela não vem. Volta para casa sem parar no bar. Abre uma nova garrafa de Cachaça. Procura adjetivos para saudade.
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