segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Wilson 2.

As últimas lembranças foram da água entrando pelo vidro estraçalhado, o cheiro de lixo que à acompanhava, e uma raiva por não ter desmaiado. Afinal, para que usar cinto de segurança num suicídio? Foi isso que Wilson se recordou quando acordou em um lugar estranho.
Por um instante tentou identificar se estava vivo ou morto. Lembrou-se que foi cético por toda a vida. Então, supôs estar vivo. Desnecessário o adendo da surpresa ao descobrir que não estava. Como é sabido, Wilson odeia surpresas. Descobriu que não estava vivo quando respirou e não sentiu o incômodo característico de seus pulmões carregados do câncer. E quando não sentiu ar sair ao expirar. Sem contusões. Impossível após uma queda de vinte metros dentro de um carro. Decidiu avaliar o lugar que se encontrava. Uma sala de espera vazia, nos padrões da antessala dos dentistas, só que vazia. Pitoresco é o mínimo que se possa dizer. A entrada do senhor negro passou desapercebida. Wilson ainda examinava o lugar que estava, e ainda checava sua pulsação para tentar sentir que ainda estava vivo. Mesmo assustado, seguiu o homem que com o braço esticado designava-lhe o caminho a seguir.
Um corredor enorme, cujo fim era imperceptível estava à sua frente. Wilson aproveitou o caminho para pensar sobre o que tinha acontecido, e praguejou algumas vezes sobre estar errado. O corredor chegou ao fim junto a uma porta branca sem maçanetas, justamente quando Wilson chegara à uma conclusão. Mas que tinha decidido esperar para falar com alguém que se mostrasse competente sobre seu caso.
Ao adentrar, Wilson viu um homem, também negro, em pé, no centro da sala. Ao ser perguntado pelo homem sobre o motivo que havia tomado tal atitude Wilson foi enfático, “porque quis”. Pensou ser melhor dá-lhe a verdade do que passar quinze segundos pensando sobre uma resposta certa que talvez fosse a errada. O homem sem feição não esboçou reação sobre a declaração de Wilson. Wilson estava perdendo a paciência.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Textos sobre os outros sempre são mais fáceis.

Carlos ama Maria. Ama como se a conhecesse a anos, sentiu uma empatia instantânea. Talvez por achar que são parecidos. Talvez por achar ter encontrado a parceira ideal para a sua causticidade. Maria parece não se espantar com o jeito de Carlos. E Carlos amou o jeito de Maria desde o primeiro segundo. Quando a conheceu, não parou de olhá-la. Não conseguia. Apelou para o álcool para tentar mudar o seu foco de atenção. Não conseguiu, mas pelo menos achou ter disfarçado.
Carlos não sabe até hoje como teve a coragem para pedir à Maria o que já queria desde o primeiro dia. E sabe menos ainda como Maria aceitou o seu pedido. Carlos estava ansioso. Sentia uma comichão inexplicável no tórax. Sente como se algo estivesse vivo e se mexendo por dentro. Algo que quer sair, todas as vezes que a encontra. Basta vê-la.
Mesmo sem conhecer Carlos, conto essa história. Eu estava presente. Mesmo não tendo sido notado, talvez essa história seja assim. Talvez, como pensa Maria, as coisas sejam feitas para acabar. Mas ví os olhos de Carlos ao esperar Maria entrar no carro. Ví os olhos de Carlos inertes mirando apenas um ponto. Senti as pernas de Carlos balançarem quando pediu um beijo. Sei do que ele sente sempre que a vê. Sei o que ele pediu quando viu três estrelas cadentes na mesma noite de ano novo apesar de ser incrédulo. E, principalmente. Sei que essa não vai ser a última vez que escreverei sobre essa história.

E.A.P

“A sua réplica, que era perfeita imitação de mim mesmo, consistia em palavras e gestos, e desempenhava admiravelmente o seu papel. A minha roupa era coisa fácil de copiar; o meu andar e maneiras gerais foram, sem dificuldade, assimilados e, a despeito de seu defeito constitucional, até mesmo a minha voz não lhe escapava. Naturalmente, não alcançava ele os meus tons mais elevados, mas o timbre era idêntico e o seu sussurro característico tornou-se o verdadeiro eco do meu.”

Trecho do conto "William Wilson" de Edgar Allan Poe.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Um adendo.

Esse blog é protegido por uma licença Creative Commons, preserva apenas alguns direitos. Mas, se alguém, a qualquer hora, quiser mandar um "Ctrl+C" pode ir com força. É só dizer de onde tirou.
Deixo aqui um texto, junto com o link para quem quiser saber mais sobre o que eu estou falando:


"Lawrence Lessig responde a ASCAP e desafia o presidente da organização para um debate
Ataque da ASCAP ao Creative em Commons

Por Lawrence Lessig*

Publicado no Huffington Post

A Sociedade Americana de Compositores, Autores e Editores (ASCAP, na sigla em ingês) lançou uma campanha para levantar fundos de seus membros para contratar lobistas para protegê-los contra os perigos do “Copyleft”. Grupos como o Creative Commons, Public Knowledge e Eletronic Frontier Foundation (EFF) estão se “mobilizando”, segundo descreve a ASCAP em carta a seus membros, “para promover o ‘Copyleft’ a fim de minar o nosso ‘Copyright’”. “Nossos oponentes estão influenciando o Congresso contra os interesses dos criadores de música”, alerta a ASCAP. Aliás, como a carta ameaçadoramente prevê, essa é o “maior desafio já enfrentado” pela ASCAP. (Historiadores da BMI podem ficar um pouco surpresos a respeito deste pedido em particular).

Como membro do conselho fundador de duas dessas três organizações e ex-membro do conselho do terceiro, acho que deveria estar orgulhoso pelo fato de uma instituição de 96 anos estar tão aterrorizada com o nosso trabalho. E eu estaria – se qualquer um desses motivos para angariação de fundos fosse verdadeiro.

Mas não são. Creative Commons, Public Knowledge e EFF não têm como objetivo minar o Copyright [Direitos Autorais]; tais organizações não estão espalhando que “a música deve ser gratuita”; e definitivamente não há ainda nenhum grupo no Congresso a favor de nenhuma das questões que essas instituições impulsionam.

Eu conheço melhor o Creative Commons, então me deixe responder às acusações da ASCAP.

O Creative Commons é uma organização sem fins lucrativos que oferece licenças de direitos autorais gratuitamente a artistas e criadores de modo que eles possam disponibilizar suas obras com a liberdade que desejarem (Pense em “Alguns direitos reservados” em vez de “Todos os direitos reservados”). Usando essas licenças, o músico pode permitir que sua música seja usada para fins não-comerciais (por exemplo, por crianças que querem fazer um vídeo ou para compartilhamento entre amigos), desde que a sua criação seja atribuída ao autor. Ou uma acadêmica pode permitir que seu trabalho seja compartilhado por qualquer motivo, desde que também respeitada a exigência de atribuição da autoria. Ou um projeto colaborativo como uma wiki pode garantir que a obra coletiva das milhões de pessoas que a construíram seja mantido livre para todos eternamente. Centenas de milhões de objetos digitais – desde músicas, vídeos e fotografias a projetos arquitetônicos , revistas científicas, planos de aulas, livros e blogs – foram licenciados desta maneira por uma extraordinária variedade de criadores ou titulares de direitos, incluindo Nine Inch Nails, Beastie Boys, Youssou N’Dour, Curt Smith, David Byrne, Radiohead, Jonathan Coulton, Kristin Hersh e Snoop Dogg, assim como a Wikipedia e a Casa Branca.

Essas licenças são, obviamente, licenças de direitos autorais. Elas dependem de um sistema forte e confiável de direitos autorais para que funcionem. Logo o CC não poderia estar interessado em “minar” este mesmo sistema do qual dependem essas licenças – os direitos autorais. Pelo contrário, aliás, o CC visa apenas fortalecer os objetivos dos direitos autorais ao conferir aos criadores um caminho mais simples para exercerem os seus direitos.

Essas licenças são, o que também é óbvio, voluntárias. O CC nunca afirmou que alguém deveria renunciar aos seus direitos.

These licenses are also (and also obviously) voluntary. CC has never argued that anyone should waive any of their rights. (Eu fui menos tolerante na academia, mas nunca afirmei que qualque artista é moralmente obrigado a renunciar a qualquer direito obtido em função de sua obra).

E, finalmente, essas licenças não revelam qualquer objetivo de tornar a “música gratuita”. O Nine Inch Nails, por exemplo, teve recorde de vendas com músicas licenciadas em Creative Commons.

Em vez disso, a única coisa que o Creative Commnons quer tornar livre são os artistas – livres para escolher a melhor maneira de licenciar sua obra criativa. Esse é um valor no qual nós realmente acreditamos; o direito autoral foi pensado para os autores e estes autores deveriam ter controle sobre seu direito autoral.

Essa não foi a primeira vez que a ASCAP interpretou de forma errada os objetivos da nossa organização. Mas seria possível tornar esta a última vez? Não temos objeções a organizações que recolhem direitos autorais: elas também foram uma solução inovadora e voluntária (ao menos na América) para um problema desafiador de direito autoral criado pelas novas tecnologias. Eu, pelo menos, estou confiante de que as sociedades arrecadadoras de direitos serão para sempre parte do cenário do direito autoral.

Então eis o meu desafio, presidente da ASCAP Paul Williams: vamos resolver as nossas diferenças como as almas decentes fazem, através de um debate. Sou um grande fã seu, e se me der permissão, eu pretendo cantar uma de suas canções (ou não) se você aceitar meu desafio de fazer um debate. Poderíamos pedir à Livraria Pública de Nova Iorque para sediar o evento. Eu pretendo fazer o possível para me adequar a sua agenda. Vamos encarar e resolver essas diferenças com honestidade e boa fé. Não há duvidas de que temos discordâncias (por exemplo, eu adoro dias chuvosos e segundas-feiras raramente me deixam deprimido – “I love rainy days, and Mondays rarely get me down”). Mas com relação às questões que importam às nossas organizações, nenhuma diferença deveria ensejar um ataque.

Enquanto isso, você pode ler mais sobre o Creative Commons aqui, e apoiar a reação à campanha da ASCAP aqui.

*Lawrence Lessig é Professor da Escola de Direito de Harvard e diretor do Safra Center for Ethics."

http://www.culturalivre.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=374&Itemid=40